Proposta ultraliberal não considera supersalários do Judiciário, afeta as áreas de educação e saúde e resgata “mitos” construídos desde Collor sobre papel do Estado
São Paulo – A proposta de “reforma administrativa”, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, é baseada em argumentos falsos, como ‘inchaço do Estado’. E serve de pretexto para manter a Emenda Constitucional 95, que acabou com os investimentos públicos por 20 anos. De acordo com especialistas ouvidos no Jornal Brasil Atual, é mentirosa a narrativa de que o Estado brasileiro é “ineficiente, burocratizado e corrupto”. E de que o servidor público é “privilegiado”.
A diretora técnica adjunta do Dieese, Patrícia Pelatieri, observa que remuneração média do servidor é de três salários mínimos, em 2019 – segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entretanto, a maioria está alocada nas áreas de saúde, educação e segurança. “É um ataque ao Estado e está relacionado ao compromisso do governo Bolsonaro em privatizar todo o serviço público. É a ideia de transformar a saúde, segurança e educação em mercadoria. Trata-se de garantir que as reformas neoliberais avancem”, criticou.
A economista Iriana Cadó, especialista em economia social, acrescenta que a “reforma administrativa” não faz sentido do ponto de vista fiscal. Não trata, por exemplo, dos “supersalários” do Judiciário. “O governo diz que o gasto com o pessoal é maior do que com saúde e com educação. Porém essas pessoas são profissionais da saúde e educação. Então, é um terrorismo ideológico que não resolve o problema fiscal.”
Teto de Gastos
Na noite da última quarta-feira (12), os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se reuniram com Jair Bolsonaro para, juntos, declarar apoio à manutenção do teto de gastos fixado pela Emenda Constitucional 95. Iriana acredita que o ministro Paulo Guedes e os presidentes do Legislativo querem mostrar que é possível manter o teto, por isso pretendem realizar as “reformas”, através do discurso do terrorismo fiscal.
“Chegou o momento em que se revelou que o teto de gastos é anacrônico para o funcionamento do Estado. Não dá para continuar com a gestão pública sobre essa regra fiscal rígida. Organizações internacionais já tinham alertado sobre isso”, explica a economista, professora da Unicamp.
Essa “caçada aos servidores” ocorreu também durante a eleição de Fernando Collor, em 1989, lembra Patricia. Na época, também era utilizada a narrativa da desqualificação do Estado e dos investimentos públicos – transformados em “gasto” –, colocando o ajuste fiscal como a principal meta de um governo.
“Com a Lava Jato, a criminalização do Estado volta com força e, após o golpe de 2016, o papel do governo é reduzido em tudo, como o teto de gastos. Se fala que a máquina pública é inchada, mas se você compara o total de servidores públicos com o tamanho da população é de 5,6%, sendo inferior à medida dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tem cerca de 10%”, diz Iriana Cadó.
Ouça Patrícia Pelatieri, do Dieese
Ouça a economista Iriana Cadó
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